A arquitetura no novo mercado “econômico” brasileiro

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Alguns estudos recentes, dentre os quais se destacam os de Tânia Bacelar, da UFPE, de Maria da Encarnação Esposito, da Unesp, e também uma importante produção dos pesquisadores do IPEA, mostram que há uma mudança ocorrendo na equação das migrações internas e na conformação das redes de cidades, com um novo papel de protagonismo regional das cidades médias, cuja população e PIB crescem mais do que as outras cidades brasileiras, inclusive as metrópoles. Esse fenômeno se relaciona, ao que tudo indica, com o crescimento substancial da chamada classe C, que teria passado entre 2005 e 2010, de 62,7 milhões para 92,8 milhões de pessoas, ou um aumento de 50% em cinco anos (3). Isso faz com que a produção do espaço edificado nessas cidades esteja, por sua vez, em franco aquecimento, sendo bastante focado ao atendimento das classes média e alta.

Porém, o que se publica e se difunde sobre a arquitetura brasileira mostra uma preferência inegável para o que se faz nas grandes capitais, com ênfase para São Paulo e Rio de Janeiro, e com pouca visibilidade para uma eventual produção arquitetônica mais espraiada pelo conjunto do território e nas cidades médias e pequenas. Devemos crer que o mundo da arquitetura no Brasil não existe para além das fronteiras das nossas maiores metrópoles?

A pergunta que nos cabe é a seguinte: onde está arquitetura em tudo isso? Para além da festejada arquitetura brasileira dos escritórios autorais, a profissão não deveria ser parte atuante na linha de frente desse processo de urbanização que assistimos? Exigindo a realização de projetos, a discussão de qualidade, incentivando novas tecnologias, a industrialização construtiva com qualidade, etc? Porém, temos que admitir que nossa profissão, até agora, está alienada disso tudo. Saudosos tempos, quando em 1963, o Seminário Nacional de Habitação e Reforma Urbana, contando com a participação de grandes arquitetos, fora capaz de pautar as políticas habitacionais e urbanas do país.

A seguir o raciocínio, restaria concluir que para desfazer-se dos pobres que, na terrível visão da revista, além de se reproduzirem demais, são também criminosos (pobreza e criminalidade aparecem na frase naturalmente associados), talvez o mais fácil fosse simplesmente mandar explodir a tal periferia. Tomando o cuidado, é claro, para não acabar com toda ela, pois senão quem iria servir e fazer funcionar a cidade formal colorida, verde, urbanizada e cheia de projetos arquitetônicos, e os que nela habitam por terem tido a sorte de nascer do “lado certo” da nossa sociedade cindida? Ninguém, porém, contestou o tamanho da monstruosidade estampada nessa capa. Nem mesmo os arquitetos, afinal, os principais envolvidos na discussão das cidades.

A arquitetura brasileira não pode conformar-se em apontar apenas dois caminhos: ou da arquitetura da “alta costura”  e grande qualidade, destinada ao mercado de alta renda, ou o da arquitetura “de mercado” conformada a uma mediocridade ditada pelos interesses imobiliários. O urbanismo brasileiro não pode continuar a ser reprodutor de práticas segregadoras e exclusivistas. O humorista norte-americano George Carlin dizia que o ímpeto ecológico de “salvar o planeta” tem um problema conceitual: a Terra, que já sobreviveu a movimentos tectônicos e cataclismas, estará muito bem por mais milhões e milhões de anos, mesmo que vire uma rocha desértica. Não serão alguns sacos plásticos e latas de alumínio que a farão desaparecer. Quem está em perigo, isto sim, somos nós, pois não sobreviveríamos ao desastre das nossas próprias ações. “Salvemos-nos”, deveria ser o slogan. Pois o raciocínio vale para nós, arquitetos e urbanistas: “salvem as cidades”, será essa a verdadeira preocupação? Nossas urbes podem sobreviver por anos, porém em um cenário à la Blade Runner, recortadas por muralhas eletrificadas, sem saneamento, com espaços públicos abandonados à própria sorte, milícias armadas a fazer a segurança. O que a Veja aponta como um cerco está se tornando a realidade; como lembra Ermínia Maricato, a pobreza urbana não é mais exceção, mas a regra. “Salvemo-nos a nos mesmos”, esse deveria ser o caminho para o novo Brasil urbano. E os arquitetos teriam muito o que dizer a respeito, caso se conscientizem que não podem, mais uma vez, deixar passar o bonde da história.

Por: João Sette Whitaker Ferreira

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